quinta-feira, 28 de maio de 2009

civilização X barbarie X educação

Lembrei de um fato ocorrido em minha escola essa semana: um grupo de alunos de séries diferentes resolveu “organizar” um “bonde”.Um bonde era inicialmente, um movimento onde várias pessoas se agrupam para dançar e cantar o funk brasileiro.Agora os bondes são utilizados para agredir-se mutuamente,pois um bonde ataca o outro,num confronto/disputa nos bailes funkes. Os alunos da minha escola resolveram reproduzir a violência dos bondes,porém de uma forma muito mais cruel:eles esperavam um aluno passar no corredor entre os pavilhões que eles chamam de “beco” reproduzindo a realidade em que vivem na vila,e aí atacam esse aluno,o grupo todo,em socos,pontapés e o que der.Dando seqüência a leitura do texto vi que Adorno já falava na possibilidade desses movimentos sob uma outra forma,e que da mesma forma como ele relata hoje vemos os arrastões,as gangues e os ataques das torcidas “organizadas”.É um assunto com certeza muito profundo pois exige análise de muitos fatores.Em alguns casos se poderia dizer que as atitudes desses jovens são reproduções do meio violento em que vivem.Mas porque ,se não lhes agrada,reproduzem essa violência?O que os leva a esse comportamento massificado para a crueldade para com outros seres humanos?No caso do nazismo,a violência tinha uma intenção,afinal africanos,poloneses,tchecos e outros europeus foram consideradas raças inferiores que precisavam ser dominadas e os judeus e ciganos raças que deveriam ser eliminadas.Assim ocorreu o massacre de seis milhões de judeus.Que fique bem claro,não concordo com essa idéia nem com as atitudes,apenas tento iniciar uma compreensão dos fatos.Dessa forma o próprio Hitler acreditava estar fazendo o que era certo.Outras formas de violência e crueldade acontecem todos os dias em culturas consideradas civilizadas.desde o tempo da escravidão dos negros africanos que se perpetua numa tortura histórica e permanente através do preconceito e do racismo,às próprias crueldades que vieram à tona com os dalits por causa da novela do momento,as mães chinesas que são obrigadas a abortar seus bebês se forem meninas e já tiverem uma na família...Não são assim também formas de barbárie?E em todos os casos as barbáries provem de pessoas consideradas civis,cidadãos e portanto civilizados,algumas vezes porque as pessoas acreditam que faz parte de sua cultura.Para sermos considerados civilizados é preciso saber viver em sociedade,conviver com os outros,respeitar as regras definidas coletivamente.Então porque essas pessoas agem com tanta frieza desrespeitando o principio ético primordial,da valorização da vida?As pessoas que seguem o nazismo,os bondes e todos outros tipos de violência em massa não enxergam semelhantes mas coisas e talvez se sintam também objetos e podem assim,ser manipulados por outros.Poderia dizer que “Freud explica” com a superposição do id,que não conhece barreiras e se extrapola em violência. Mas e a resignação coletiva,que atende ordens e orientações de um líder completamente bárbaro e cruel,de onde provem,como se instala,como o indivíduo se torna parte disso? “A sublimação pode não ser alcançada e em seu lugar surgir uma perversão social ou coletiva,uma loucura social ou coletiva.” ¹Se os que cometem esses tipos de crimes consideram os que são vítimas como os próprios bárbaros,onde está à compreensão de certo e errado que a sociedade civilizatória nos impõe?Penso que essas pessoas delegam poder a determinado líder por quererem elas serem o próprio líder,porque desprezam a liberdade e a trocam por algo que lhes interesse,nem que seja o poder de dominar.Hitler por exemplo,foi eleito em eleições livres e diretas,para depois dar o golpe nazista e ofereceu para ser eleito à salvação da classe média e da burguesia de uma possível revolução dos operários.Essa é a natureza do ser humano,agir por interesses,com egoísmo vamos utilizando as pessoas e coisas para atender aos nossos desejos.As pessoas vivem constantemente oprimidas na sociedade,pelos princípios éticos,pela qualidade ou pelo modo de vida que são obrigadas a levar,pelas regras que funcionam só para uns,a competitividade exacerbada de uma sociedade que vive pelo ter e não pelo ser,provocada e alimentada por propagandas e uso de meios de comunicação em massa.Esses meio que desvalorizam o refletir,o pensamento crítico,a busca de informações,que desinformam ou transmitem as informações de acordo com os interesses de seus proprietários e de seus interesses econômicos e/ou políticos.Só podemos participar de discussões e decisões políticas se possuirmos informações corretas sobre aquilo que vamos discutir.Todos nós temos uma consciência,a forma própria como vemos,percebemos e valorizamos o que está a nossa volta.Essa consciência desenvolve-se conjuntamente com nossas experiências de vida,é própria,individual e particular.Então a educação em seu sentido mais profundo,formar cidadãos críticos,autônomos e livres tem real importância e valor na formação dessa consciência.Do jeito que nossa sociedade se encaminha não podemos mais negar nossa participação e nem tão pouco querer continuar vivendo de uma visão conteúdista que até cabia quando na nossa cultura as famílias eram “bem estruturadas” e possibilitavam as crianças desde cedo,em sua maioria,aprender valores éticos e nos traziam com sua afetividade a sensação de sermos amados e respeitados pelo que somos.Hoje em dia cada vez mais as famílias estão desestruturadas e aquelas que ainda se mantém criam mecanismos de defesa que muitas vezes fogem à moralidade.Gostemos ou não,temos grande participação na tentativa de evitar novos Auschwtiz porque através da educação para a liberdade de escolha,mostrando por um trabalho que desenvolva a capacidade crítica ao máximo possível das alternativas,do que pode ser certo e errado,da valorização da vida podemos ajudar a formar cidadãos autônomos.Cidadãos esses que não se deixem submeter sem questionar,que tenham responsabilidade por seus atos e que não aceite qualquer tipo de violência contra si ou contra seus semelhantes,enfim que desenvolvam suas próprias regras de conduta e as sigam.A educação reflexiva pode proporcionar essa visão humanizada de nós ‘seres humanos,’o que as pessoas envolvidas nos tipos de crueldade e violência que tanto nos afligem parecem não ter.Quando conversamos com os jovens envolvidos no acontecimento do bonde,alguns culparam os colegas,outros disseram apenas estar acompanhando outro e até disseram que estavam de “arreganho” (brincadeira) como se o aluno agredido não sentisse dor ou não tivesse direito de não querer ser agredido.Acredito firmemente que nossa escola precisa urgentemente rever seus conceitos,no que baseia seu currículo e que objetivos pretende com ele.Porque vejo a cada dia mais e mais alunos sem capacidade de discernimento,querendo extrapolar e externar uma pressão que sofrem em algum aspecto de suas vidas e que a maioria dos professores não oferece outra coisa se não mais e mais repressão,como se a forma de terminar com esse problema fosse simplesmente “conter os alunos” em aula.De nada adianta ficarmos no discurso de que quem tem que dar princípios é a família,se sabemos que ela já não o faz mais em muitos casos e que a educação oferecida na escola seja possivelmente também para muitos casos,a única oportunidade de aprenderem a exercer sua autonomia,conhecerem a afetividade e serem livres para fazerem suas escolhas.

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